UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES PRÓ-REITORIA DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CAMPUS DE ERECHIM ÁREA DE CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE DIREITO LETÍCIA MILENA BÁO A POSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DE DANO E RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA RELAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS ERECHIM 2024 LETÍCIA MILENA BÁO A POSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DE DANO E RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA RELAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS Trabalho apresentado ao Curso de Direito do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) – Erechim/RS, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Giana Lisa Zanardo Sartori. ERECHIM 2024 LETÍCIA MILENA BÁO A POSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DE DANO E RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA RELAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, pelo Curso de Direito do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões. Erechim/RS, 13 de Novembro de 2024. BANCA EXAMINADORA ___________________________________ Professora Giana Lisa Zanardo Sartori Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões ____________________________________ Professora Sueli Pokojeski Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões ____________________________________ Professora Viviane Bortolini Giacomazzi Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões Dedico este trabalho à minha família por todo apoio, amor e compreensão. À minha orientadora que teve um papel tão importante neste trabalho. Aos meus amigos que deram força e me encorajaram. AGRADECIMENTOS À Deus, antes e acima de tudo e de todos. À minha mãe e ao meu padrasto por todo o apoio e cuidado que tiveram comigo, e por terem transmitido tanta força e coragem para que eu pudesse vencer essa etapa. Ao meu namorado, que esteve sempre ao meu lado e não me permitiu desanimar, mesmo nos momentos mais desafiadores. À minha professora orientadora, Prof.ª Dra. Giana Lisa Zanardo Sartori, por tantos ensinamentos transmitidos e por todo o suporte prestado durante a pesquisa e construção da presente monografia. Aos professores do curso, grandes pilares do conhecimento, sem os quais não seria possível alcançar essa tão almejada realização pessoal, acadêmica e profissional. Aos meus amigos, que sempre estiveram ao meu lado e acreditaram no meu potencial. Não sei pensar no amor, sem pensar no cuidado. (Autor Desconhecido) RESUMO O presente trabalho estudou as mudanças que ocorreram no direito de família ao longo dos anos, com o intuito de entender a evolução das famílias brasileiras e as principais alterações ocorridas nas legislações vigentes relacionadas ao abandono afetivo por parte dos pais em relação aos seus filhos. A pesquisa teve como objetivo principal verificar se há possibilidade de caracterização de dano e indenização civil em razão dessa omissão e negligência em que o menor é exposto. Assim, para a realização desta monografia, utilizou-se o método indutivo, fazendo a análise de doutrinas e jurisprudências específicas, a fim de identificar os padrões e chegar-se a uma conclusão. Notou-se que há vários aspectos que indicam grandes possibilidades para a caracterização do dano e responsabilização pelo abandono afetivo. O método de procedimento aplicado no presente trabalho foi o monográfico e de abordagem indutivo, utilizando da técnica de pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial, como fontes para comprovar a viabilidade. Palavras-chave: direito de família; abandono afetivo; caracterização de dano; indenização civil. ABSTRACT This work studied the changes that have occurred in family law over the years, with the aim of understanding the evolution of Brazilian families and the main changes that have occurred in current legislation related to emotional abandonment by parents in relation to their children. The main objective of the research was to verify whether there is a possibility of characterization of damage and civil compensation due to this omission and negligence in which the minor is exposed. Therefore, to carry out this monograph, the inductive method was used, analyzing specific doctrines and jurisprudence, in order to identify patterns and reach a conclusion. It was noted that there are several aspects that indicate great possibilities for characterizing the damage and making people responsible for emotional abandonment. The method of procedure applied in the present work was a monographic and inductive approach, using bibliographical, doctrinal and jurisprudential research techniques, as sources to prove viability. Keywords: family law; emotional abandonment; damage characterization; civil compensation. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...................................................................................... 10 2 OS DIREITOS E DEVERES NAS RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS................................................................................................. 11 2.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO..................... 11 2.1.1 Relação de parentesco e entidades familiares................................ 13 2.1.1.1 Direitos e deveres decorrentes das relações familiares....................... 15 3 A RESPONSABILIDADE CIVIL E A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES......................................................... 18 3.1 PRINCIPAIS NOÇÕES DOUTRINÁRIAS SOBRE O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL................................................................ 18 3.1.1 As legislações protetivas das crianças e adolescentes: Constituição Federal, Código Civil Brasileiro e Estatuto da Criança e do Adolescente.................................................................. 20 4 RECONHECIMENTO JURÍDICO DA POSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DE DANO E RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR ABANDONO AFETIVO............................................................... 24 4.1 BREVES NOÇÕES DOUTRINÁRIAS SOBRE A POSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DO DANO E RESPONSABILIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO......................................................................... 24 4.1.1 Análise Jurisprudencial no marco temporal de 2020 a 2024.......... 27 5 CONCLUSÃO....................................................................................... 33 REFERÊNCIAS.................................................................................... 35 10 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo demonstrar a possibilidade de caracterização de dano e a responsabilização civil por abandono afetivo na relação entre pais e filhos. Compreende-se que este é um tema de grande discussão em tribunais, e que possui diferentes visões e entendimentos acerca da possibilidade ou não da caracterização de dano e da indenização civil por abandono afetivo aos pais em relação aos filhos menores. A fim de comprovar esta possibilidade, no primeiro capítulo, é de extrema relevância à monografia, o estudo sobre a evolução do direito de família, bem como o entendimento de alguns conceitos básicos desta área do direito. Neste primeiro momento, será destacado as principais mudanças que ocorreram entre o Código Civil de 1916 para o atual Código Civil de 2002 no que diz respeito ao direito de família. Ainda, far-se-á a distinção conceitual entre relação de parentesco e entidades familiares, bem como, serão apontados os principais direitos e deveres decorrentes dessas relações familiares. Após, no segundo capítulo da presente monografia, será feita a análise do Instituto da Responsabilidade Civil, para reafirmar o entendimento de que, aquele menor que sofreu com algum dano decorrente do abandono afetivo, deverá ser indenizado na medida do possível. Para corroborar com esta posição, serão apresentadas as principais noções doutrinárias que tratam a respeito deste tema, assim como, serão apresentadas as legislações basilares que protegem e defendem os direitos das crianças e adolescentes. Por fim, no último capítulo, visando comprovar a possibilidade de caracterização de dano e responsabilização civil por abandono afetivo nas relações entre pais e filhos, será apresentado as principais noções doutrinárias a respeito da presente problemática. Ainda, como forma de confirmar estes posicionamentos, far- se-á a análise de jurisprudências favoráveis a este entendimento, no marco temporal entre os anos de 2020 à 2024. Para a elaboração da presente monografia, será utilizado como método de abordagem o indutivo e, como método de procedimento monográfico. Ainda, para o desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso, a técnica de pesquisa utilizada será a bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial. 11 2 OS DIREITOS E DEVERES NAS RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS No presente capítulo será abordado como se deu a evolução do Direito de Família brasileiro com a revogação do antigo Código Civil de 1916 para o atual Código Civil de 2002, serão apontados as relações de parentesco e entidades familiares, explicando quais as relações pessoais que cada uma delas abrange, além disso, será exposto quais são os direitos e deveres decorrentes das relações familiares. 2.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO A sociedade avança rapidamente em direção ao desenvolvimento em suas mais variadas áreas. A família, tratando-se de instituição pertencente à sociedade, não pôde ficar estagnada. Com o passar dos anos, o conceito de família evoluiu de acordo com as demandas, e juntamente com essa evolução, o Direito de Família também se desenvolveu e se adaptou às novidades. Como de conhecimento, o Direito de Família passou por significativas transformações ao longo dos anos. Uma das maiores modificações já vivenciadas foi, com certeza, a alteração do antigo Código Civil de 1916, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, revogado pelo atual Código Civil, Lei nº 10.406/2002, que trouxe consigo a evolução de muitos conceitos fundamentais para o Direito de Família. No Código Civil de 1916, a família era constituída apenas por meio do casamento ou da consanguinidade, assim como explica Carossi (2010) “O modelo de família era único ou seja, aquele constituído pelo casamento e os filhos legítimos eram apenas os havidos dentro do casamento.”. Deste modo, os filhos concebidos fora da instituição do casamento eram considerados ilegítimos e, consequentemente, não teriam seus direitos reconhecidos devido a essa discriminação, conforme afirmam Gagliano e Filho (2023, p.27). Conforme mencionado anteriormente, os filhos legítimos são aqueles que foram concebidos durante a instituição do casamento. Já os filhos ilegítimos, assim como o Código Civil de 1916 conceituava, eram aqueles que foram concebidos fora do casamento e possuíam duas subespécies, conforme explica Luz (2009, p.162), “filhos naturais: filhos nascidos de pessoas sem impedimento para casar (pessoas solteiras, sem vínculo de parentesco) [...]; filhos espúrios: filhos nascidos de pessoas com impedimento para casar.”. 12 Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), foi instituído o princípio da dignidade humana, e com base na perspectiva de tornar o direito mais humanitário e igualitário, Madaleno afirma: Estabelece a Constituição Federal os princípios gerais de amparo da família, com traços fundamentais de proteção na igualdade dos direitos dos filhos, independentemente de sua origem advir do casamento, da união estável, da monoparentalidade, da inseminação artificial (com ou sem doação de gametas) ou da adoção. (Madaleno, 2022, p.79). Nota-se que, a partir da instituição da Constituição Federal de 1988, todos os filhos, seja qual for a origem de seu nascimento, passaram a desfrutar da igualdade de direitos. De acordo com o atual Código Civil em seu artigo 1.596 “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” (Brasil, 2002), assim, o atual Código Civil juntamente com a Constituição Federal, garantem a igualdade de direitos entre os filhos como um direito fundamental, e repudiam qualquer designação discriminatória em relação às origens dos filhos. Além das alterações trazidas pelo novo Código Civil, a Constituição Federal de 1988 também introduziu mudanças significativas no campo do Direito de Família. De acordo com Madaleno (2022, p.79), “o Direito de Família sofreu profundas mudanças com o advento da Constituição Federal de 1988, a ponto de ser defendida a prevalência de um Direito de Família Constitucional.”, deste modo, todas as evoluções nos conceitos e nas garantias nas legislações, têm como principal objetivo, a busca por um direito e uma abordagem mais humanitária no que diz respeito às relações familiares. Atualmente, após as grandes mudanças que ocorreram na sociedade bem como no meio familiar, o direito precisou acompanhar tamanhas evoluções e se adaptar às novas formas e modelos existentes de família, neste mesmo sentido, Pereira afirma: Atualmente, a doutrina e a jurisprudência demonstram sensibilidade ao analisar as questões de família, lidando com os aspectos próprios e singulares dos casos concretos e não somente tendo como foco uma versão da família apresentada pela lei. Para tanto, ultrapassa-se a norma para a busca de uma interpretação mais ampla, coerente e com base no que constitui a família: o afeto e o cuidado. (Pereira, 2024, p. 29) 13 Isso mostra que, com as mudanças ocorridas foi necessário abordar o Direito de Família de uma forma mais ampla e com uma maior sensibilidade, de um modo que respeite todas os mais variados modelos de família, buscando sempre observar e garantir os fundamentos do afeto e do cuidado, além de lidar com cada família de forma individualizada e única, uma vez que cada família possui suas próprias particularidades. 2.1.1 Relação de parentesco e entidades familiares A relação de parentesco e as entidades familiares são estruturas sociais fundamentais para o ser humano e para a comunidade onde estão inseridos. Estes conceitos definem os laços biológicos, jurídicos e afetivos que unem os indivíduos. Compreender os significados de parentesco e de família é crucial para a percepção das interações interpessoais e da estruturação das obrigações familiares. O Código Civil de 2002 cita que são duas as formas de parentesco, conforme expresso em seu artigo 1.593: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.” (Brasil, 2002). Neste mesmo sentido, a fim de esclarecer melhor o termo de parentesco, Diniz (2024, p. 155) explica em seu texto “Parentesco é a relação vinculatória existente não só entre pessoas que descendem umas das outras [...], mas também entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro, entre adotante e adotado e entre pai institucional e filho socioafetivo.”, logo, compreende-se como sendo natural as relações que advém do vínculo genético e, a relação civil como sendo aquela que origina-se por meio da adoção, do matrimônio ou então das relações socioafetivas. Como mencionado previamente, as relações de parentesco se fundamentam nos laços biológicos ou legais existentes entre os integrantes de uma família, podendo o parentesco consanguíneo ser dividido em linha reta e linha colateral ou transversal. Conforme dispõe o art. 1.591 do Código Civil “São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.” (Brasil, 2002), deste modo, o parentesco em linha reta inclui o seguinte grupo de pessoas: na ascendência (pai, avô, bisavô...), ou descendência (filho, neto, bisneto...). Já a definição de parentesco em linha colateral ou transversal está previsto no artigo 1.592 do Código Civil de 2002, “São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma 14 da outra.” (Brasil, 2002). Deste modo, compreende-se que o parentesco colateral necessita de um tronco em comum, sem descenderem as pessoas umas das outras, podendo ser citado como exemplo os irmãos, tios, sobrinhos e primos. Neste mesmo sentido, Madaleno caracteriza parentesco como sendo aquele proveniente principalmente do vínculo sanguíneo ou então, aqueles formados por vínculos matrimoniais, conforme explica o trecho a seguir: O parentesco funda-se na relação de sangue que existe entre duas pessoas, quando uma descende da outra, ou ambas de um tronco ou antepassado comum, na linha reta ou colateral. Já o parentesco por afinidade existe entre uma pessoa que está casada ou foi casada; vive ou viveu em união estável e os consanguíneos de seu marido ou companheiro, ou da sua esposa ou companheira. (Madaleno, 2023, p. 545) Por outro lado, a relação familiar vai além, abrangendo um conjunto mais amplo de vínculos e interações sociais, o que distingue-se da relação de parentesco, onde os vínculos são exclusivamente ligados ao sangue ou ao vínculo legal. Além dos laços de parentesco, a relação familiar inclui principalmente as relações afetivas e sociais entre os membros da família, assim como afirma Madaleno: Família e parentesco não se equivalem, são conceitos diversos, eis que a família surge dos vínculos afetivos, sejam eles hetero e homoafetivos, integrada por seus filhos naturais, adotivos ou de outra origem. A família está representada por sua estrutura fundamental, formada pelos vínculos afetivos dos pais e de seus filhos [...]. (Madaleno, 2023, p. 545). Deste modo, compreende-se que família é aquela constituída por meio da criação dos laços afetivos entre os indivíduos, independentemente da existência de vínculo sanguíneo ou não, valorizando principalmente a estrutura familiar com base na conexão emocional, no afeto e no papel significativo que os indivíduos desempenham um na vida do outro. Ainda, Madaleno enfatiza sobre a questão da afetividade como um dos elementos principais da estrutura familiar: O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana. A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto. (Madaleno, 2023, p. 110) Dessa forma, compreende-se que o afeto é um importante componente da estrutura familiar sendo imprescindível que esteja sempre presente tanto nas relações 15 de parentesco bem como nas entidades familiares, a fim de criar conexões que vão além do vínculo sanguíneo que as une. A afetividade é uma importante base para a formação e o desenvolvimento das pessoas, um vínculo fundamentado no afeto desperta um grande impacto na vidas daqueles que recebem esse cuidado, e proporciona a essas pessoas o sentimento de dignidade humana e pertencimento. Por fim, compreende-se que as relações de parentesco e as entidades familiares são importantes estruturas para a sociedade, uma vez que elas são as principais bases de formação de seres humanos que posteriormente serão introduzidos na comunidade. Ambas as relações, com base na sua estrutura e nos seus vínculos, contribuem para a formação e para o desenvolvimento de seres humanos uma vez que reproduzirão em sociedade tudo aquilo que aprenderam e receberam dessas conexões. 2.1.1.1 Direitos e deveres decorrentes das relações familiares Conforme já é de conhecimento, as relações familiares são a base primordial da sociedade e são de suma importância para o desenvolvimento físico e do bem- estar emocional do indivíduo. Nesse contexto, direitos e deveres surgem como elementos cruciais para regular e fortalecer os vínculos. Os direitos familiares têm como objetivo proteger, assegurar o respeito à dignidade e ao desenvolvimento pleno de cada integrante da família. Por sua vez, os deveres apontam as responsabilidades mútuas que cada membro tem para com o outro, sempre visando o equilíbrio do núcleo familiar. O Artigo 5º da Constituição Federal estabelece as garantias fundamentais do ser humano diante da sociedade e nos demais meios em que ele esteja inserido, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]” (Brasil, 1988). Este artigo se faz muito presente e é de grande importância inclusive no Direito de Família ao mencionar os direitos fundamentais do ser humano, garantindo a proteção às pessoas de forma individual, além de assegurar a igualdade, a liberdade, a propriedade e a dignidade humana. No âmbito do Direito de Família, conforme mencionado neste capítulo, e é expresso pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226 “A família, base da 16 sociedade, tem especial proteção do Estado.” (Brasil, 1988), o que significa dizer, que o Estado reconhece a importância da família perante a sociedade e, por isso, busca protegê-la com seu texto e com legislações que amparam o direito das crianças e das famílias. Ainda, a Constituição Federal estabelece: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988). Diante disso, compreende-se que a família, a sociedade e o Estado são os principais responsáveis pela garantia dos direitos e deveres das crianças e adolescentes, devendo sempre assegurar os direitos fundamentais dos menores e preservá-los de qualquer forma de violação ou abuso. Neste mesmo sentido, Rizzardo afirma “pensa-se que o poder familiar, mais que um poder, constitui-se de uma relação, ou do exercício de várias atribuições, cuja finalidade última é o bem do filho.” (2018, p. 553). Tal afirmação remete ao entendimento que, o poder familiar não se baseia tão somente no controle exercido pelos pais em relação aos seus filhos, mas sim como sendo um vínculo que envolve uma série de responsabilidades e deveres entre pais e filhos, visando sempre promover o bem-estar e a garantia de desenvolvimento integral do filho. Ainda, a Constituição Federal prevê: “Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.” (Brasil, 1988), com isso, destaca-se mais uma vez a importância dos pais na vida de seus filhos, uma vez que esses são os primeiros responsáveis pela vida dos menores, por mantê-los em segurança e garantir-lhes a convivência familiar, conforme demonstrado no presente artigo, bem como no artigo 227 da Constituição Federal. Os direitos e deveres são importantes alicerces que moldam a relação familiar, ambas estabelecem regras e definem as garantias essenciais para uma boa vivência familiar, a fim de que os menores não sofram qualquer dano ou negligência para o seu efetivo desenvolvimento. Ainda, garantem que os menores tenham garantido a convivência familiar, e que os pais comprometam-se com suas responsabilidades e deveres de cuidar, educar e dar a assistência necessária aos menores. 17 Deste modo, compreende-se que o Direito de Família é uma importante estrutura que está em constante evolução, que busca abranger todas as formas de relações familiares e, portanto, assegura a igualdade de direitos à todos, aponta os deveres existentes entre a família e garante que os mais vulneráveis não tenham seus direitos violados. No capítulo seguinte, será abordado sobre a responsabilidade civil dos pais e a proteção jurídica das crianças e adolescentes através da análise das principais noções doutrinárias sobre o instituto da responsabilidade civil e do estudo das principais legislações brasileiras que tratam do tema em questão. 18 3 A RESPONSABILIDADE CIVIL E A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES No capítulo atual será abordado a importância da responsabilização civil como instrumento de proteção das crianças e dos adolescentes, destacando sua relevância no incentivo de um ambiente mais seguro bem como na garantia dos direitos fundamentais desses indivíduos em fase de crescimento e desenvolvimento. 3.1 PRINCIPAIS NOÇÕES DOUTRINÁRIAS SOBRE O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil está prevista no Título IX do Código Civil de 2002, abrangendo do artigo 927 ao artigo 954. O artigo 927 do Código Civil de 2002 traz a premissa fundamental da responsabilidade civil “Aquele que, por ato ilícito [...], causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” (Brasil, 2002), o Instituto da Responsabilidade Civil visa por um ambiente de convivência pacífico e justo, garantindo que aquele que sofreu com algum tipo de dano, seja indenizado na medida do possível. A Instituição da Responsabilidade Civil vem se adaptando ao longo dos tempos, abrangendo as mais diversas áreas do direito e amparando as pessoas dos mais diversos tipos de danos que estas possam vir a sofrer. Neste mesmo sentido, Rizzardo afirma “[...] ao longo do Código Civil e na maioria dos diplomas do direito positivo encontram-se normas tratando a respeito da responsabilidade civil, a qual, no seu conteúdo, corresponde às obrigações decorrentes da conduta da pessoa.” (2024, p. 25), isso significa dizer que o Instituto da Responsabilidade Civil abrange uma variedade de campos jurídicos, e em cada área que é aplicada, ela se ajusta de forma a abranger as condutas humanas pertinentes àquela área que requer proteção e, assegura que a pessoa tenha seu bem ou direito reparado quando sofrer com algum prejuízo causado por outrem. Hoje, são dois os tipos de responsabilidade, sendo elas: a responsabilidade penal e a responsabilidade civil, sendo de grande importância mencionar que no presente trabalho será abordado somente sobre a responsabilidade civil. Faz-se necessária a distinção entre ambas para uma melhor compreensão do que cada uma delas abrange e defende, conforme será exposto a seguir. 19 Gonçalves faz a seguinte distinção entre a responsabilidade penal e a civil: “No caso da responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito público. O interesse lesado é o da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse diretamente lesado é o privado. O prejudicado poderá pleitear ou não a reparação.” (2024, p. 26). A partir da definição exposta, compreende-se que a responsabilidade penal decorre da violação de uma norma de interesse comum, da ocorrência de um crime, onde o autor do dano é responsabilizado com alguma sanção imposta pelo Estado, proporcional ao dano cometido, visando sempre a garantia da ordem pública, já a responsabilidade civil, decorre da violação aos deveres civis, podendo a parte prejudicada decidir pela reparação dos danos ou não. O parágrafo único do artigo 927, faz menção sobre a responsabilidade objetiva: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (Brasil, 2002). Neste mesmo sentido, explica Rizzardo “É a responsabilidade objetiva, pela qual a obrigação de reparar o dano emerge da prática ou da ocorrência do fato.” (2019, p.27), deste modo, compreende-se que os responsáveis são diretamente responsabilizados pelos danos causados, independendo da comprovação de culpa pelo prejudicado, desde que o dano causado seja considerado como uma situação perigosa. Tartuce também explica em seu texto, em termos simples a respeito da responsabilidade objetiva do agente: “[...] a responsabilidade do agente é objetiva, prescindindo da prova de culpa.” (2023, p. 331). Em outros termos, trata-se de responsabilidade objetiva quando não há a necessidade de provar a culpa do agente, bastando apenas a existência do dano e o nexo de causalidade entre o fato e o dano. São três os pressupostos da responsabilidade civil, assim como afirma Gonçalves “A responsabilidade civil se assenta, segundo a teoria clássica, em três pressupostos: um dano, a culpa do autor do dano e a relação de causalidade entre o fato culposo e o mesmo dano” (2024, p. 21). Ou seja, dano refere-se ao prejuízo ou lesão sofrido por uma pessoa como resultado de uma ação ou omissão de outrem. A culpa do autor trata-se da responsabilidade pessoal ou negligência de uma pessoa que causa dano a outra. E a relação de causalidade que refere-se à ligação entre a culpa do autor e o dano sofrido pela outra pessoa. Existe também a responsabilidade civil subjetiva, esta, está prevista no artigo 186 do Código Civil de 2002: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência 20 ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (Brasil, 2002). A responsabilidade civil, assim como mencionado no artigo 186 do Código Civil de 2002, é compreendida como sendo aquela, à qual deve ser comprovada a culpa ou negligência do infrator para que lhe possa ser imposta uma responsabilização pelos danos cometidos. A classificação quanto ao fato gerador na responsabilidade civil, é dividida entre responsabilidade contratual ou extracontratual. Diniz (2024, p. 55), faz a seguinte distinção: “a) responsabilidade contratual, se oriunda de inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral.”, nesta, a responsabilidade origina-se de um contrato previamente acordado entre as partes, que assentem em cumprir certos deveres e obrigações mútuas. Quanto à responsabilidade civil extracontratual, Diniz (2024, p. 55) esclarece: “b) responsabilidade extracontratual ou aquiliana, se resultante do inadimplemento normativo, ou melhor, da prática de um ato ilícito [...], visto que não há vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligadas por uma relação obrigacional ou contratual.”. Neste caso, não há um contrato entre as partes, a responsabilidade decorre de um dano que uma pessoa causa a outra por cometer uma conduta negligente ou ilícita, ou até mesmo quando viola um dever legal implícito, qual seja, o de evitar causar prejuízos a outrem. Há também a classificação quanto ao agente que pratica a ação, podendo ser direta ou indireta. Diniz faz a seguinte distinção: “a) direta, se proveniente da própria pessoa imputada — o agente responderá, então, por ato próprio” (2024, p. 55), aqui, o agente responderá por seus próprios atos que foram causadores de danos a alguém. No caso da responsabilidade indireta, Diniz explica: “b) indireta ou complexa, se promana de ato de terceiro [...], com o qual o agente tem vínculo legal de responsabilidade, de fato de animal [...] e de coisas inanimadas sob sua guarda.” (2024, p. 55), ou seja, a responsabilidade indireta é quando a pessoa responde por danos causados por outra pessoa que não ele, ou até mesmo por animais e coisas sob sua responsabilidade ou guarda. 3.1.1 As legislações protetivas das crianças e adolescentes: Constituição Federal, Código Civil Brasileiro e Estatuto da Criança e do Adolescente 21 A proteção das crianças e adolescentes é um tema de extrema relevância social, e reflete o compromisso que o Estado, a sociedade e a própria família devem ter para um desenvolvimento saudável e para o bem-estar dos menores. No Brasil, esta proteção é garantida por meio de três ordenamentos jurídicos, que são eles: a Constituição Federal de 1988, o Código Civil Brasileiro de 2002 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. A Constituição Federal de 1988 tem grande significado para o Direito de Família, uma vez que estabelece os princípios fundamentais da pessoa humana e dispõe sobre as garantias da família. Assim como mencionado anteriormente no presente trabalho, o artigo 227 da Constituição Federal dispõe que: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Brasil, 1988) Dessa forma, compreende-se como sendo um dever da família, da sociedade e do próprio Estado de garantirem os direitos fundamentais às crianças, jovens e adolescentes, conforme declarados na Constituição Federal. Destaca-se também para o direito fundamental de garantia à convivência familiar e proteção de qualquer forma de negligência aos menores, com absoluta prioridade, que, conforme Madaleno explica a importância dessa garantia: “[...] merecendo especial proteção até pelo fato de o menor estar formando a sua personalidade durante o estágio de seu crescimento e desenvolvimento físico e mental.” (2023, p. 55), ou seja, a convivência familiar e a proteção do menor tem importante poder nessa fase tão delicada de desenvolvimento, uma vez que criam todas as bases e princípios durante esse período de crescimento na vida das crianças e adolescentes. Outro importante artigo da Constituição Federal de 1988, estabelece o seguinte: “Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores [...]” (Brasil, 1988), com base nessa disposição, e de todo o exposto anteriormente, compreende-se a importância e significado da presença dos pais na vida dos filhos, principalmente na menoridade, que deverão acompanhá-los em seu desenvolvimento e repassados todos os valores, educação e ensinamentos. Durante este período de crescimento, todo o afeto transmitido aos filhos também é de grande importância para 22 o seu crescimento saudável, Madaleno expõe o seguinte entendimento sobre o assunto: “O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana.” (2023, p. 110), pode-se compreender com isso, que o afeto nas relações familiares entre pais e filhos é de suma importância, uma vez que molda a personalidade da pessoa humana e proporciona o sentimento de dignidade e importância para aquele que recebe. Outra legislação de grande importância para a proteção das crianças e adolescentes, é com certeza, o Código Civil Brasileiro de 2002, que regula sobre os filhos em relação aos pais. O artigo 1.634 dispõe o seguinte: “Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar” (Brasil, 2002), o direito dos filhos é assegurado independentemente da situação conjugal, sendo dever dos pais de assegurar os direitos e proporcionar as condições necessárias para seu pleno desenvolvimento. O Código Civil de 2002 firmou o seguinte entendimento sobre a separação dos pais: “Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.” (Brasil, 2002), deste modo, ainda que os pais estejam separados, aquele que não fica com a guarda, não perde seus direitos e deveres que possuem para com seus filhos. A visita e a companhia daquele que não detém a guarda é garantida, desde que não haja nenhum impedimento judicial para isso, visto que a convivência familiar é um direito familiar garantido pela Constituição, e nesse sentido o Código Civil dispõe o seguinte entendimento: “Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê- los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.” (Brasil, 2002). O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069 de 1990, possui grande importância ao tratar da proteção integral das crianças e adolescentes, seu artigo 3º dispõe o seguinte: Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (Brasil, 1990). 23 Mais uma vez é tratado dos direitos dos menores, assegurando-lhes todos os direitos fundamentais, garantindo seu pleno desenvolvimento em todos os aspectos possíveis para um crescimento saudável. Assim como está previsto na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, aponta os mesmos direitos assegurados aos menores, e abrange uma grande quantidade de artigos que dispõe sobre outras garantias específicas em relação às crianças e adolescentes. A partir de todo o exposto, conclui-se que o Instituto da Responsabilidade Civil visa garantir o bem estar, a segurança e os direitos de todos, uma vez que abrange várias áreas do direito e portanto, protege as pessoas dos mais variados danos que possam vir a sofrer. Além do Instituto da Responsabilidade Civil, a Constituição Federal, o Código Civil Brasileiro e o Estatuto da Criança e do Adolescente são outras grandes fontes de direito que asseguram e tratam dos direitos das crianças e adolescentes a fim de garantir que nenhuma garantia seja violada a fim de prejudicar os menores. No capítulo seguinte, será tratado acerca do reconhecimento jurídico da possibilidade de caracterização de dano e da responsabilização civil pelo abandono afetivo, a partir da doutrina e da análise de decisões jurisprudenciais que tratam do tema em questão. 24 4 RECONHECIMENTO JURÍDICO DA POSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DE DANO E RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR ABANDONO AFETIVO No presente capítulo, será demonstrado a possibilidade de caracterização de dano e a responsabilização civil decorrente do abandono afetivo por meio da doutrina, das decisões e das jurisprudências existentes atualmente sobre o caso, fazendo ligação com todo o conteúdo já exposto e entendimento sobre as leis existentes referente à proteção da criança, do adolescente e do jovem. 4.1 BREVES NOÇÕES DOUTRINÁRIAS SOBRE A POSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DO DANO E RESPONSABILIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO A possibilidade de caracterização de dano e responsabilização civil por abandono afetivo nas relações entre pais e filhos, tem se tornado um tema de grande relevância social e vem ganhando cada vez mais espaço de discussão em tribunais e vem sendo abordado pela doutrina jurídica brasileira. Para tanto, inicialmente, faz-se necessária a compreensão do conceito de abandono afetivo, dos impactos que causam na vida daquele que sofre, para então, uma posterior análise da possibilidade de caracterização do dano e responsabilização civil. Conforme Dias explica em seu texto, o abandono afetivo é caracterizado pela “[...] omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação.” (2016, p. 138). Com base no conceito apresentado, compreende-se que abando afetivo é definido pela falta ou omissão de cuidado, atenção e do próprio vínculo afetivo do genitor em relação aos filhos. Além disso, Madaleno enfatiza que “A sobrevivência humana também depende e muito da interação do afeto; é valor supremo, necessidade ingente [...]” (2023, p.110). Isso ressalta a ideia de que o desenvolvimento humano está intrinsecamente ligado às relações de afeto, uma vez que essa conexão configura uma necessidade indispensável para o bem-estar e manutenção da vida do indivíduo. Com base no exposto, entende-se que o abandono afetivo trata-se da falta ou omissão por parte do genitor, em cumprir com encargos do poder familiar, como, proporcionar afeto, convivência e assistência, durante toda a fase de crescimento e 25 desenvolvimento do menor. Essa falta ou omissão de afeto do genitor em relação à sua prole, causa traumas e danos psicológicos merecedores de reparação, assim como afirma (Paiva, 2021). Sobre a questão da possibilidade de indenização civil por abandono afetivo, Tartuce evidencia que “O argumento favorável à indenização está amparado na dignidade humana.” (2023, p. 9), neste sentido, salienta-se que o princípio da dignidade humana é garantido pela Constituição Federal de 1988. Por esta razão, vale ressaltar que todo e qualquer direito constitucional ferido ou violado merece ser reparado por aquele que causou o dano, neste caso, o filho que foi abandonado afetivamente pelo seu genitor, merece ter seu direito ressarcido. Vale ressaltar que, o abandono afetivo ocasionado pela ausência afetiva de qualquer um dos genitores, faz com que a criança ou adolescente sinta-se rejeitado, corroborando assim com os futuros danos psicológicos e, consequentemente com problemas para relacionar-se afetivamente com outras pessoas, assim como afirma (Cardin, 2012). Ainda sobre o tema, Paiva (2021, pg. 30) afirma que essa negligência gera danos irreparáveis à sua identidade, uma vez que são sobrecarregados pelas consequências do abandono. Em seu escrito, Madaleno, faz a seguinte afirmação sobre os impactos do abandono “A desconsideração da criança e do adolescente no campo de suas relações, ao lhes criar inegáveis deficiências afetivas, traumas e agravos morais, cujo peso se acentua no rastro do gradual desenvolvimento mental, físico e social do filho” (2024, p. 337). Com base na afirmação de Madaleno, verifica-se os diversos resultados negativos que geram no menor, dentre eles, os traumas e os problemas para um bom desenvolvimento nas mais diversas áreas, decorrentes do abandono afetivo. Levando em consideração aos vários entendimentos doutrinários favoráveis quanto à possibilidade de caracterização de dano, reconhecendo que a falta de cuidado, afeto e presença por parte de um dos genitores pode gerar danos psicológicos e emocionais significativos no desenvolvimento do filho, parte-se para uma averiguação referente a possibilidade de indenização civil por abandono afetivo. Neste mesmo sentido, Cardin traz o seguinte posicionamento sobre o tema em comento: “afeto não é algo que pode ser monetarizado [...].” Logo, a indenização teria como proporcionar que esta pessoa recebesse auxílio psicológico para tratar das 26 sequelas oriundas da falta de visitação, do descaso, da não orientação ética, moral e intelectual [...].” (2012, pg. 76). Ou seja, partindo do entendimento de que o afeto, o carinho e o amor são cuidados que uma pessoa deveria dar e receber de outra espontaneamente, não há como mensurar um quantitativo em dinheiro, uma vez que não há como definir um valor para o amor e para o afeto. No entanto, a indenização civil proporcionaria à criança ou ao adolescente, meio de custear tratamentos bem como o apoio de médico profissional que cuide dos danos causados decorrente do abandono afetivo de seus genitores. Neste mesmo entendimento, Madaleno faz a seguinte afirmação sobre a possibilidade de indenização civil por abandono afetivo: A desconsideração da criança e do adolescente no campo de suas relações, ao lhes criar inegáveis deficiências afetivas, traumas e agravos morais, cujo peso se acentua no rastro do gradual desenvolvimento mental, físico e social do filho, que assim padece com o injusto repúdio público que lhe faz o pai, deve gerar, inescusavelmente, o direito à integral reparação do agravo moral sofrido pela negativa paterna do direito que tem o filho à sadia convivência e referência parental, privando o descendente de um espelho que deveria seguir e amar. (2024, p. 337) Desta forma, assim como Madaleno explica, a negligência à convivência e, consequentemente o desamparo afetivo ao menor, em sua fase de desenvolvimento e crescimento, ocasiona as mais diversas formas de prejuízo e danos, de difícil posterior reparação. Do exposto, Madaleno também entende pela necessidade de indenização por todo sofrimento e dano causado aos filhos que sofrem com o afastamento injustificado de seu genitor, por qualquer que seja o motivo. Ainda neste mesmo viés, Paiva faz o seguinte posicionamento sobre a possibilidade de indenização civil pelo abandono afetivo: [...] a indenização se faz cabível, como forma de amenizar os traumas sofridos pelo filho, que terá como consequência da atitude de desprezo a sensação de rejeição, acarretando-lhe danos ao seu desenvolvimento físico, mental e social, uma vez que irá crescer diante da falta de afeto, cuidado e proteção da figura parental. (2021, p. 51) Deste modo, assim como outros grandes autores, Paiva compreende pela necessidade e pela possibilidade da indenização como forma de reparar todo o trauma sofrido pelas crianças e adolescentes. Paiva posiciona-se favoravelmente neste 27 sentido, uma vez que compreende que o abandono faz com que os menores sintam- se desamparados e rejeitados, o que, consequentemente, acaba ocasionando problemas ainda maiores e incalculáveis que apresentam-se de formas diferentes na vida de cada um. Portanto, com base nos entendimentos doutrinários expostos, entende-se pela viabilidade da caracterização de dano uma vez que a ausência de afeto injustificada por qualquer um dos genitores à sua prole gera graves danos físicos e psíquicos, que consequentemente afetam os menores nos mais diversos âmbitos de sua vida pessoal e social. Da mesma forma, verificou-se a possibilidade de indenização civil, visto que esta serviria como meio de ressarcir e auxiliar a criança ou adolescente em tratamentos necessários a fim de reparar todo ou em parte os danos causados decorrente do abandono afetivo. 4.1.1 Análise Jurisprudencial no marco temporal de 2020 a 2024 A análise jurisprudencial sobre a possibilidade de caracterização de dano e consequentemente a responsabilização civil por abandono afetivo se faz importante vez que faz averiguação das decisões dos tribunais no que diz respeito à responsabilidade dos pais em relação aos seus filhos no dever de convivência familiar, cuidado e afeto. Com base no exposto, far-se-á a apuração de decisões em relação ao tema em comento no marco temporal entre 2020 até 2024. Em junho de 2020, o Tribunal de Justiça de São Paulo, deu provimento ao recurso de indenização civil por dano moral decorrente de abandono afetivo: PODER FAMILIAR. Descumprimento dos deveres dos genitores de cuidado e assistência. Ação civil pública ajuizada contra os genitores, exigindo alimentos e indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo. Adolescente dependente químico, acolhido pelo conselho tutelar. Alimentos arbitrados em 1/3 do salário mínimo devido pelos genitores. Pretensão à redução da pensão. Impossibilidade, embora com a correção no sentido de que a obrigação alimentar é conjunta, e não solidária. Valor adequado às necessidades do alimentado e possibilidades do alimentante. Limitação temporal da pensão alimentícia, até que o alimentando complete 18 anos, diante da situação de penúria da família. Indenização por dano moral mantida. Violação do dever jurídico de cuidado e educação, decorrente da relação paterno-filial, com prejuízo ao desenvolvimento do menor. Prova dos autos a demonstrar negligência dos genitores, ao permitir o contato do infante com drogas ilícitas e lhe negligenciar cuidados, após se tornar dependente. Redução do quantum indenizatório, diante das circunstâncias do caso concreto. Recurso provido em parte. (TJSP; Apelação Cível 1000574- 16.2019.8.26.0042; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª 28 Câmara de Direito Privado; Foro de Altinópolis - Vara Única; Data do Julgamento: 11/06/2020; Data de Registro: 11/06/2020) (São Paulo, TJSP, 2020). A falta de contato e cuidado com o filho nesta situação, ensejou que o menor tivesse contato com drogas ilícitas, viesse a viver em condição de morador de rua e passasse fome. O jovem, ao perceber a situação em que se encontrava em decorrência do descaso de seus genitores, procurou ajuda e foi acolhido em abrigo, não tendo sido procurado nem mesmo recebido qualquer tipo de contato de seus pais. No presente caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu que a violação dos pais em relação ao dever jurídico de cuidado, educação e contato físico e afetivo modificou negativamente a vida do adolescente. Esse descumprimento ao dever jurídico dos pais em relação ao filho adolescente, causaram grave dano moral digno de reparação civil por abandono afetivo. No ano de 2021, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça conheceu recurso especial e julgou parcialmente procedente o pedido de reparação de danos morais da filha contra o pai que deixou de cumprir com seus deveres legais: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. APLICAÇÃO DAS REGRAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES FAMILIARES. OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS E PERDA DO PODER FAMILIAR. DEVER DE ASSISTÊNCIA MATERIAL E PROTEÇÃO À INTEGRIDADE DA CRIANÇA QUE NÃO EXCLUEM A POSSIBILIDADE DA REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS PAIS. PRESSUPOSTOS. AÇÃO OU OMISSÃO RELEVANTE QUE REPRESENTE VIOLAÇÃO AO DEVER DE CUIDADO. EXISTÊNCIA DO DANO MATERIAL OU MORAL. NEXO DE CAUSALIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS NA HIPÓTESE. CONDENAÇÃO A REPARAR DANOS MORAIS. CUSTEIO DE SESSÕES DE PSICOTERAPIA. DANO MATERIAL OBJETO DE TRANSAÇÃO NA AÇÃO DE ALIMENTOS. INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO NESTA AÇÃO. 1- Ação proposta em 31/10/2013. Recurso especial interposto em 30/10/2018 e atribuído à Relatora em 27/05/2020. 2- O propósito recursal é definir se é admissível a condenação ao pagamento de indenização por abandono afetivo e se, na hipótese, estão presentes os pressupostos da responsabilidade civil. 3- É juridicamente possível a reparação de danos pleiteada pelo filho em face dos pais que tenha como fundamento o abandono afetivo, tendo em vista que não há restrição legal para que se apliquem as regras da responsabilidade civil no âmbito das relações familiares e que os arts. 186 e 927, ambos do CC/2002, tratam da matéria de forma ampla e irrestrita. Precedentes específicos da 3ª Turma. 4- A possibilidade de os pais serem condenados a reparar os danos morais causados pelo abandono afetivo do filho, ainda que em caráter excepcional, decorre do fato de essa espécie de condenação não ser afastada pela obrigação de prestar alimentos e nem tampouco pela perda do poder familiar, na medida em que essa reparação possui fundamento jurídico próprio, bem 29 como causa específica e autônoma, que é o descumprimento, pelos pais, do dever jurídico de exercer a parentalidade de maneira responsável. 5- O dever jurídico de exercer a parentalidade de modo responsável compreende a obrigação de conferir ao filho uma firme referência parental, de modo a propiciar o seu adequado desenvolvimento mental, psíquico e de personalidade, sempre com vistas a não apenas observar, mas efetivamente concretizar os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e da dignidade da pessoa humana, de modo que, se de sua inobservância, resultarem traumas, lesões ou prejuízos perceptíveis na criança ou adolescente, não haverá óbice para que os pais sejam condenados a reparar os danos experimentados pelo filho. 6- Para que seja admissível a condenação a reparar danos em virtude do abandono afetivo, é imprescindível a adequada demonstração dos pressupostos da responsabilização civil, a saber, a conduta dos pais (ações ou omissões relevantes e que representem violação ao dever de cuidado), a existência do dano (demonstrada por elementos de prova que bem demonstrem a presença de prejuízo material ou moral) e o nexo de causalidade (que das ações ou omissões decorra diretamente a existência do fato danoso). 7- Na hipótese, o genitor, logo após a dissolução da união estável mantida com a mãe, promoveu uma abrupta ruptura da relação que mantinha com a filha, ainda em tenra idade, quando todos vínculos afetivos se encontravam estabelecidos, ignorando máxima de que existem as figuras do ex-marido e do ex-convivente, mas não existem as figuras do ex-pai e do ex-filho, mantendo, a partir de então, apenas relações protocolares com a criança, insuficientes para caracterizar o indispensável dever de cuidar. 8- Fato danoso e nexo de causalidade que ficaram amplamente comprovados pela prova produzida pela filha, corroborada pelo laudo pericial, que atestaram que as ações e omissões do pai acarretaram quadro de ansiedade, traumas psíquicos e sequelas físicas eventuais à criança, que desde os 11 anos de idade e por longo período, teve de se submeter às sessões de psicoterapia, gerando dano psicológico concreto apto a modificar a sua personalidade e, por consequência, a sua própria história de vida. 9- Sentença restabelecida quanto ao dever de indenizar, mas com majoração do valor da condenação fixado inicialmente com extrema modicidade (R$ 3.000,00), de modo que, em respeito à capacidade econômica do ofensor, à gravidade dos danos e à natureza pedagógica da reparação, arbitra-se a reparação em R$ 30.000,00. 10- É incabível condenar o réu ao pagamento do custeio do tratamento psicológico da autora na hipótese, tendo em vista que a sentença homologatória de acordo firmado entre as partes no bojo de ação de alimentos contemplava o valor da mensalidade da psicoterapia da autora, devendo eventual inadimplemento ser objeto de discussão naquela seara. 11- Recurso especial conhecido e parcialmente provido, a fim de julgar procedente o pedido de reparação de danos morais, que arbitro em R$ 30.000,00), com juros contados desde a citação e correção monetária desde a publicação deste acórdão, carreando ao recorrido o pagamento das despesas, custas e honorários advocatícios em razão do decaimento de parcela mínima do pedido, mantido o percentual de 10% sobre o valor da condenação fixado na sentença. (REsp n. 1.887.697/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/9/2021, DJe de 23/9/2021.) (Brasília, STJ, 2021). Na presente decisão, foi reconhecido o dano causado à filha em vista do afastamento abrupto do pai, que ao divorciar-se da genitora da menor, distanciou-se e deixou de prestar os deveres e cuidados essenciais para um desenvolvimento saudável de sua filha. Assim como muito bem explicado na própria decisão, na vida 30 da pessoa pode existir a figura de ex-marido, ex-convivente, mas nunca existirá a figura de ex-pai, ex-mãe tão pouco a figura de ex-filho(a). A Vigésima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deu desprovimento ao recurso de mãe biológica que teve ação de destituição do poder familiar contra a mesma: APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. SENTENÇA DE PROCEDENCIA. APELANTE, MÃE BIOLÓGICA DOS MENORES QUE POR SER USUÁRIA DE DROGAS FOI NEGLIGENTE, CONFIGURANDO-SE O ABANDONO AFETIVO, MORAL E MATERIAL DOS INFANTES, NÃO TENDO CONDIÇÕES DE PROPORCIONAR CUIDADOS BÁSICOS AOS SEUS FILHOS. PARECERES TÉCNICOS QUE JUSTIFICAM A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR DA APELANTE POR SER MEDIDA QUE MELHOR ATENDE AO INTERESSE DOS MENORES. INTELIGENCIA DO ARTIGO 22 DO ECA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. SENTENÇA MANTIDA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (0272306- 24.2013.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). MARIA DA GLORIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO - Julgamento: 10/11/2022 - VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL) (Rio de Janeiro, TJ/RJ, 2022) Neste caso, ficou configurado abandono afetivo vez que a mãe dos menores era usuária de drogas ilícitas e, consequentemente não conseguia promover os cuidados necessários aos filhos, deixando-os em situações vulneráveis e de abandono. Deste modo, visando garantir o menor interesse dos menores e garantir a segurança deles, manteve-se a sentença de destituição do poder familiar da mãe em relação aos seus filhos. A Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu pelo provimento à apelação, restando o réu condenado ao pagamento de indenização civil: APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ABANDONO AFETIVO. RÉU REVEL. SENTENÇA REFORMADA. CONDENAÇÃO A REPARAR DANOS MORAIS. APELO PROVIDO. CASO EM QUE O RÉU FOI AUSENTE NO QUE DIZ RESPEITO COM O CUIDADO DA FILHA, E NO PROCESSO. PARECER TÉCNICO QUE RECONHECEU O SOFRIMENTO DA FILHA EM DECORRÊNCIA DO AFASTAMENTO PATERNO. A POSSIBILIDADE DE O PAI SER CONDENADO A REPARAR OS DANOS MORAIS CAUSADOS PELO ABANDONO AFETIVO DA FILHO, AINDA QUE EM CARÁTER EXCEPCIONAL, DECORRE DO FATO DE ESSA ESPÉCIE DE CONDENAÇÃO NÃO SER AFASTADA PELA OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS, NA MEDIDA EM QUE ESSA REPARAÇÃO POSSUI FUNDAMENTO JURÍDICO PRÓPRIO, BEM COMO CAUSA ESPECÍFICA E AUTÔNOMA, QUE É O DESCUMPRIMENTO, PELOS PAIS, DO DEVER JURÍDICO DE EXERCER A PARENTALIDADE DE MANEIRA RESPONSÁVEL. SENTENÇA REFORMADA PARA CONDENAR O RÉU/GENITOR AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS 31 MORAIS PELO ABANDONO AFETIVO PRATICADO. DERAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível, Nº 50073005120218210059, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 01-06-2023) (Rio Grande do Sul, TJ/RS,2023). Na presente decisão, foi reconhecido pela Oitava Câmara Cível, e comprovado por parecer técnico, os danos sofridos pela filha menor, em decorrência do afastamento injustificado e falta de afeto do pai. Ocorre que, no presente caso, foi comprovado que o genitor negava-se a prestar qualquer tipo de auxílio na vida da menor, e ainda agia como se não fosse o pai da menor. Neste caso, não resta dúvidas que o desprezo do genitor em relação a sua filha, gerou graves danos psicológicos e interferiu negativamente no pleno desenvolvimento físico e mental da criança. Assim, comprovado o dano causado à menor, entendeu-se pela possibilidade de indenização civil por abandono afetivo. No decorrente ano, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reduziu o valor à ser pago pelo pai em título de indenização civil ao filho por abandono afetivo: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO - POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DECORRENTE DE DANO MORAL - CARÁTER EXCEPCIONALÍSSIMO COMPROVADO - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - SENTENÇA MANTIDA - REDUÇÃO DO VALOR - POSSIBILIDADE - CAPACIDADE FINANCEIRA REDUZIDA DO GENITOR - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. - Segundo entendimento do col. Superior Tribunal de Justiça, em caráter excepcionalíssimo, é juridicamente possível a reparação de danos pleiteada pelo filho em face dos pais fulcrado no abandono afetivo - O sucesso da pretensão indenizatória com fundamento no abandono afetivo exige a comprovação da conduta omissiva do pai em relação ao filho -, dano - abalo psicológico sofrido por este -, nexo de causalidade entre o ato ilícito praticado por aquele e dano sofrido por este - O fato de o autor ter comprovado os requisitos da responsabilidade civil ("ex vi"do art. 186 do Código Civil), impõe a manutenção da sentença que julgou procedente seu pedido de indenização por abandono afetivo - Restando demonstrado que o valor fixado a título de indenização está além das condições econômicas do apelante, impõe-se a redução do valor de forma a adequá-la à realidade das partes - Recurso parcialmente provido. (TJ-MG - Apelação Cível: 0030381-48.2016.8.13.0242, Relator: Des.(a) Élito Batista de Almeida (JD Convocado), Data de Julgamento: 19/02/2024, Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 20/02/2024) (Minas Gerais, TJ/MG, 2024). No presente caso, foi fixado um valor em sentença a título de indenização civil por abandono afetivo, uma vez comprovado pelo filho os danos decorrentes da ausência do pai. Tal valor foi fixado com base nos gastos com remédios e consultas necessários para o tratamento dos danos psicológicos gerados decorrente do abandono afetivo. 32 O recurso do réu foi parcialmente provido uma vez que o mesmo comprovou não ter condições financeiras para pagar o valor integral da indenização. Em decorrência disso, foi entendido pela possibilidade de reduzir o valor a ser pago a título de indenização civil. Com base em todo o exposto no presente capítulo, a partir da análise dos entendimentos doutrinários e de jurisprudências dos Tribunais de Justiça dos mais diversos Estados Brasileiro, comprova-se o entendimento pela possibilidade de caracterização de dano e indenização civil por abandono afetivo. Isto somente se faz possível obviamente, com as devidas comprovações dos danos que podem ser gerados aos menores que sofrem diariamente com a falta de cuidado, amor e afeto. 33 5 CONCLUSÃO O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a possibilidade de caracterização de dano e indenização civil por abandono afetivo nas relações entre pais e filhos, em razão de ser um tema de grandes discussões e diferentes entendimentos perante os Tribunais. Em decorrência disto, realizou-se uma minuciosa pesquisa a respeito do tema a fim de compreender todas as principais mudanças, conceitos e entendimentos no Direito de Família. Conforme o exposto no primeiro capítulo, verificou-se ter ocorrido significativas mudanças no ramo do Direito de Família, e a principal delas, aconteceu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, onde, todos os filhos, independentemente de sua origem de nascimento, passaram a desfrutar da igualdade de direitos. Deste modo, para garantir que os direitos das crianças e adolescentes sejam assegurados, deve-se sempre atentar-se para que cada caso seja tratado com sensibilidade e individualidade, haja vista que atualmente existem vários modelos de formação familiar, mas que, independentemente de qual seja o meio que o menor esteja inserido, este, deve sempre ter seus direitos assegurados e garantidos. No capítulo seguinte, constatou-se que, assim como o Direito de Família evoluiu muito ao longo dos anos, o Instituto da Responsabilidade Civil também precisou modificar-se para atender às novas mudanças e assim garantir que nenhum direito seja violado. O Instituto da Responsabilidade Civil preconiza que todo o dano causado a alguém, deve ser reparado e indenizado na medida do possível, ou seja, a obrigação de indenizar nasce de um ato ilícito, que viole o direito de outrem. Além do Instituto da Responsabilidade Civil, existem legislações que também defendem os direitos dos menores, dentre elas, a Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002 e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Ambas, assim como expresso na presente monografia, asseguram e externam em seus textos a importância que o Estado, a sociedade e a família têm para a garantia dos direitos dos menores. Após toda esta explanação, buscou-se por percepções doutrinárias e jurisprudências que corroborassem no entendimento da possibilidade de caracterização de dano e indenização civil por abandono afetivo nas relações entre pais e filhos. Desta forma, foram trazidos vários doutrinadores e jurisprudências que afirmam haver a possibilidade de caracterização de dano e indenização civil por 34 abandono civil, visto que os danos decorrentes de tal omissão e violação do direito ao afeto e convívio, pode acarretar em sérios problemas psicológicos, físicos e comportamentais, que por vezes, são irreversíveis e geram grandes traumas na vida daquele que sofre. Diante de todo o exposto, conclui-se pela possibilidade de caracterização de dano e indenização civil por abandono afetivo nas relações entre pais e filhos, visto que ninguém tem o direito de causar dano a outrem e, quando causado, deve ser indenizado na sua proporção. O abandono emocional e afetivo cria a necessidade de reparação, não como forma de forçar alguém a amar outrem, mas como meio de amparar todo o dano sofrido pela vítima. 35 REFERÊNCIAS BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2024. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2023. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2024. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.887.697/RJ. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em: 21 set. 2021. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?data=%40DTPB+%3E%3D+%22202 10101%22+E+%40DTPB+%3C%3D+%2220211231%22&livre=ABANDONO+AFETI VO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true&tp=T. Acesso em: 08 out. 2024. BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível: 0030381- 48.2016.8.13.0242, Relator: Des.(a) Élito Batista de Almeida (JD Convocado). Julgado em: 19 fev. 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-mg/2173747545. Acesso em: 08 out. 2024. BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 50073005120218210059. Relator: Rui Portanova. Oitava Câmara Cível. Julgado em: 01 jun. 2023. Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/buscas- solr/?aba=jurisprudencia. Acesso em: 08 out. 2024. BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível 0272306- 24.2013.8.19.0001. Desembargadora Maria da Gloria Oliveira Bandeira de Mello. Vigésima Segunda Câmara Cível. Julgado em: 10 nov. 2022. Disponível em: https://www3.tjrj.jus.br/EJURIS/ProcessarConsJurisES.aspx?PageSeq=0&Version=1 .2.0.29. Acesso em: 08 out. 2024. BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível 1000574- 16.2019.8.26.0042. Relator: Francisco Loureiro. 1ª Câmara de Direito Privado. Foro de Altinópolis - Vara Única. Julgado em: 11 jun. 2020. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br. Acesso em: 07 out. 2024. CARDIN, Valéria Silva G. Dano moral no direito de família. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2012. E-book. ISBN 9788502130753. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502130753/. Acesso em: 22 set. 2024. https://processo.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?data=%40DTPB+%3E%3D+%2220210101%22+E+%40DTPB+%3C%3D+%2220211231%22&livre=ABANDONO+AFETIVO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true&tp=T https://processo.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?data=%40DTPB+%3E%3D+%2220210101%22+E+%40DTPB+%3C%3D+%2220211231%22&livre=ABANDONO+AFETIVO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true&tp=T https://processo.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?data=%40DTPB+%3E%3D+%2220210101%22+E+%40DTPB+%3C%3D+%2220211231%22&livre=ABANDONO+AFETIVO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true&tp=T https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-mg/2173747545 https://www.tjrs.jus.br/novo/buscas-solr/?aba=jurisprudencia https://www.tjrs.jus.br/novo/buscas-solr/?aba=jurisprudencia https://www3.tjrj.jus.br/EJURIS/ProcessarConsJurisES.aspx?PageSeq=0&Version=1.2.0.29 https://www3.tjrj.jus.br/EJURIS/ProcessarConsJurisES.aspx?PageSeq=0&Version=1.2.0.29 36 CAROSSI, E. G. M. O Valor Jurídico do Afeto na Atual Ordem Civil- Constitucional Brasileira. Disponível em: . Acesso em: 19 mar. 2024. Dias, M. B. (2016). Manual de Direito das Famílias (4. Ed. em e-book). Editora Revista dos Tribunais Ltda. https://ceaf.mpac.mp.br/wp-content/uploads/2-Manual- de-Direito-das-Familias-Maria-Berenice-Dias.pdf DINIZ, Maria H. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v.5. Editora Saraiva, 2024. E-book. ISBN 9788553621453. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553621453/. Acesso em: 13 abr. 2024. DINIZ, Maria H. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v.7. Editora Saraiva, 2024. E-book. ISBN 9788553621392. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553621392/. Acesso em: 28 abr. 2024. GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo P. Novo curso de direito civil: direito de família. v.6. Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786553624481. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553624481/. Acesso em: 20 mar. 2024. Garcia, F. Z. S. (2018, março 5). A evolução do direito das famílias e da condução de seus conflitos: novos desafios para a sociedade. IBDFAM: Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2024. GONÇALVES, Carlos R. Responsabilidade civil. Editora Saraiva, 2024. E-book. ISBN 9786553629479. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553629479/. Acesso em: 25 abr. 2024. LUZ, Valdemar P da. Manual de Direito de Família. Editora Manole, 2009. E-book. ISBN 9788520446591. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788520446591/. Acesso em: 20 mar. 2024. MADALENO, Rolf. Direito de Família. Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559644872. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/. Acesso em: 19 mar. 2024. https://ibdfam.org.br/artigos/1273/A+evolu%C3%A7%C3%A3o+do+direito+das+fam%C3%ADlias+e+da+condu%C3%A7%C3%A3o+de+seus+conflitos:+novos+desafios+para+a+sociedade#:~:text=A%20Carta%20Constitucional%20se%20preocupou,modelo%20familiar%2C%20constitu%C3%ADdo%20pelo%20casamento https://ibdfam.org.br/artigos/1273/A+evolu%C3%A7%C3%A3o+do+direito+das+fam%C3%ADlias+e+da+condu%C3%A7%C3%A3o+de+seus+conflitos:+novos+desafios+para+a+sociedade#:~:text=A%20Carta%20Constitucional%20se%20preocupou,modelo%20familiar%2C%20constitu%C3%ADdo%20pelo%20casamento https://ibdfam.org.br/artigos/1273/A+evolu%C3%A7%C3%A3o+do+direito+das+fam%C3%ADlias+e+da+condu%C3%A7%C3%A3o+de+seus+conflitos:+novos+desafios+para+a+sociedade#:~:text=A%20Carta%20Constitucional%20se%20preocupou,modelo%20familiar%2C%20constitu%C3%ADdo%20pelo%20casamento https://ibdfam.org.br/artigos/1273/A+evolu%C3%A7%C3%A3o+do+direito+das+fam%C3%ADlias+e+da+condu%C3%A7%C3%A3o+de+seus+conflitos:+novos+desafios+para+a+sociedade#:~:text=A%20Carta%20Constitucional%20se%20preocupou,modelo%20familiar%2C%20constitu%C3%ADdo%20pelo%20casamento 37 MADALENO, Rolf. Direito de Família. Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559648511. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559648511/. Acesso em: 10 abr. 2024. MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9788530995201. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530995201/. Acesso em: 22 set. 2024. PAIVA, Daiana de Assis. Abandono Afetivo: Responsabilidade Civil e uma Visão além da Indenização. EDITORA FI, 2021. E-book. ISBN 9786559171583. Disponível em: https://www.editorafi.org/. Acesso em: 22 set. 2024. PEREIRA, Caio Mário da S. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. v.V. Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9786559649129. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559649129/. Acesso em: 17 abr. 2024. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família, 10ª edição. Grupo GEN, 2018. E-book. ISBN 9788530983062. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530983062/. Acesso em: 23 abr. 2024. RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil, 8ª edição. Grupo GEN, 2019. E- book. ISBN 9788530986087. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530986087/. Acesso em: 25 abr. 2024. TARTUCE, Flávio. Responsabilidade Civil. Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559647910. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559647910/. Acesso em: 28 abr. 2024. TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. v.5. Rio de Janeiro: Forense, 2023. E-book. ISBN 9786559647132. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559647132/. Acesso em: 29 set. 2024. https://www.editorafi.org/